“As discotecas, como as sociedades, precisam de todo o tipo de pessoas e é a mistura de gentes, de culturas, de vivências e de riquezas de todo o tipo que nos faz crescer a todos e nos torna intelectualmente mais ricos.
Sou admirador confesso de música. Já o referi aqui por diversas vezes e hoje em dia quando saio centro as minhas escolhas em dois pressupostos: no estilo de música que passa em determinado espaço e no sítio para onde os amigos com quem me apetece estar querem ir. Por vezes, estes pressupostos são inconciliáveis o que me obriga também eu, dentro deste espetro, fazer as minhas próprias opções . Gosto de discotecas onde as pessoas saem para se divertir e ouvir boa música, é por isso que sou fã da noite berlinense mas também de vários clubs espalhados pelo mundo numa cultura que começou em Nova Iorque e que ainda hoje recolhe as preferências de alguns.
Talvez por isso tenha alguma dificuldade em perceber o fenómeno português da fixação pela área supostamente vip e pelas entradas de borla nas discotecas quando o objetivo é consumir alguma coisa. Em primeiro lugar, sou contra a estratificação social dos espaços e das sociedades em si em que de um lado estão os mais ricos e os mais nobres e do outro os menos abastados e menos conhecidos. Porque é essa divisão que faz com que as pessoas não se divirtam e passem o tempo obcecadas com o “ver e ser visto” comentando quem tem pulseira e gozando com quem ficou para trás. Torna-se ridículo ver alguns espaços com áreas vip quase maiores do que o resto do espaço.
Steve Rubell, dono da lendária Studio 54, dizia que na sua discoteca havia lugar para todos e que não era o dinheiro que definia quem entrava mas o grau de loucura e de vontade de diversão . Dizia ele que uma noite perfeita tinha que ter 10% de loiras vistosas , 20% de gays , 10% de famosos , 10% de ricos e o resto de desconhecidos desde que fizessem a festa no meio destes. Obviamente que isto era uma visão dos anos 70 e que as percentagens não eram seguidas à regra mas o que ele queria mesmo dizer é que dentro de uma noite havia espaço para todos e que só com todos uma noite poderia ser verdadeiramente especial. Na ótica dele, e que hoje em dia é replicada em diversos sítios, existem mesas onde as pessoas podem comprar garrafas e existe a pista, mas todos se divertem no mesmo espaço, não existem áreas vip, nem áreas de acesso exclusivo a quem tem pulseira. Depois tinham salas privadas, longe do olhar de todos, onde ele se divertia e relaxava com alguns amigos especiais .
Já tive oportunidade de realizar festas privadas para alguns famosos em Portugal e de estar com outros em festas um pouco por todo o mundo, desde Elizabeth Hurley em Londres como Deborah Secco e Isabeli Fontana no Brasil ou Prince, Mick Jagger, Angelina Jolie e muitos mais e nunca os vi preocupados em procurar uma área reservada numa discoteca, nem em escolherem um espaço só porque tinham área vip, e lembro-me até de uma cantora americana de nome Alicia Keys que “fugia” da área reservada para se misturar no meio das pessoas e dançar na pista de dança . Então a preocupação das pessoas em terem que entrar num sítio sem pagar, mesmo sabendo que vão consumir, é algo de inexplicável, ainda para mais quando o valor é consumível. Se pagam para ir ao teatro, ao cinema e ao futebol porque não hão de pagar para saírem?
As discotecas, como as sociedades, precisam de todo o tipo de pessoas e é a mistura de gentes, de culturas, de vivências e de riquezas de todo o tipo que nos faz crescer a todos e nos torna intelectualmente mais ricos. A maioria das vezes, as pessoas mais interessantes estão bem no meio da pista de dança e não na cabina de um qualquer camarote fazendo a triste figura de estar à espera da bebida de borla de quem paga como se de uma esmola se tratasse. O mundo precisa de mais pessoas com atitude que não se vendem por dinheiro, que se divertem até de manhã porque adoram viver, que dançam ao som da música e vivem na pista de dança. Que são sofisticadas sem fazer nada por isso e que não escolhem os amigos pela carteira, mas pela definição de amizade. Larguem a área vip e soltem-se! Vão ver que vale a pena.”
Fonte: José Paulo do Carmo in ionline.sapo.pt